O presente relatório tem por objetivo suscitar e analisar os atos escandalosos e/ou omissões das autoridades turcas contra indivíduos - a quem alegam estar afiliados, ligados ou membros do Grupo Gülen - no âmbito da competência legal do crime contra a humanidade. Dados os cenários dispersos de crimes contra a humanidade, o relatório começa por compilar a lei do tratado, a jurisprudência e a prática consuetudinária relativamente a esses crimes, a fim de revelar os elementos dos crimes. A partir daí, aplica esses elementos num contexto em que indivíduos alegadamente relacionados com o Grupo Gülen têm sido perseguidos através de vários atos ou omissões imputados às autoridades turcas. O relatório também examina o elemento contextual e examina se os crimes associados foram cometidos "como parte de um ataque generalizado ou sistemático" dirigido contra o Grupo Gülen.
O âmbito do relatório que abrange apenas as violações dos direitos humanos em relação ao Grupo Gülen não pretende, de forma alguma, negar, desacreditar ou minimizar as dificuldades sofridas por outras frações sociais na Turquia. Pelo contrário, o âmbito limitado existente é a necessidade e o corolário do elemento contextual dos crimes contra a humanidade ser "tomar como alvo uma determinada população civil".
Os crimes contra a humanidade passaram a ser definidos como delitos cuja comissão choca a consciência da comunidade internacional e demeia todos os membros da raça humana, independentemente do local onde vivem ou da cultura ou credo a que pertencem. O facto de nunca poder ser perdoado priva os crimes contra a humanidade de limitações estatutárias, o que significa que é processável e punível independentemente do tempo. Que fere profundamente a consciência da comunidade internacional dá direito e/ou obriga cada membro da comunidade internacional a pedir contas aos seus autores. É um crime tão ultrajante que exige uma ação imediata sob a forma de cessação da sua comissão e punição dos seus perpetradores, independentemente de quando ou onde seja cometido.
O artigo 7(1) do Estatuto de Roma estabelece que o ataque que constitui crimes contra a humanidade contra a população civil deve ser "generalizado" ou "sistemático". O elemento/requisito/padrão 'generalizado' é determinado pela escala dos atos (tal como o número de vítimas) enquanto que o elemento/requisito/padrão 'sistemático' conota um padrão de controlo, direção ou intensidade por parte das autoridades de facto e de jure de um determinado Estado ou outras organizações. O termo "população" sugere que o ataque é dirigido contra um grupo relativamente grande de pessoas que partilham características distintivas que as identificam como alvos do ataque. Um exemplo prototípico de uma população civil seria um determinado grupo nacional, étnico ou religioso.
Dito isto, o que sustenta o carácter sistemático do ataque e contribui assim para a sua qualificação legal como crimes contra a humanidade é a natureza recorrente, ininterrupta e contínua dos atos ilegais associados que ostensivamente estabelecem um padrão perigoso, tal como apontado no parecer do Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Detenção Arbitrária. O número de Gülenistas ou alegados Gülenistas que sofrem/sofreram violações dos direitos humanos ao longo dos anos parece seguir um curso repetitivo, recorrente e incessante, em vez de ser um incidente individual ou isolado. Esta repetição e continuação formam um padrão que aponta para a prática de atos desumanos no âmbito de uma política preconcebida que é sistematicamente executada por meio de recursos públicos.
Quanto aos critérios generalizados, as violações maciças e frequentes levadas a cabo coletivamente pelas autoridades públicas com considerável seriedade e dirigidas contra um grande número e multiplicidade de indivíduos alegadamente filiados no Grupo Gülen podem ser afirmadas de forma justa como tendo cumprido este requisito. Vale a pena notar aqui que os Gülenistas visados são vitimizados não devido aos seus atributos individuais mas sim devido à sua alegada afiliação ao Grupo Gülen. O carácter generalizado das violações contra o Grupo Gülen pode ser demonstrado com fatores como o âmbito geográfico dos atos ilegais sendo todo o território turco - mesmo o mundo inteiro como sugere a prática do governo turco de raptar extraterritorialmente "Gülenistas" - o grande número de violações que não mostram sinais de cessação, e a prática de traçar o perfil de indivíduos como "Gülenistas" utilizando critérios arbitrários e ilegais como "Fetömeter" ou "o uso da aplicação Bylock". Como salientado no parecer do Grupo de Trabalho da ONU sobre Detenção Arbitrária, as características acima mencionadas dos atos ilegais, e as suas consequências consideráveis sobre um grande número e variedade de indivíduos, estabelecem um padrão perigoso que sustenta o carácter generalizado dos atos ilegais e conduz assim à sua qualificação legal comocrimes contra a humanidade.
Neste contexto, vale a pena notar que crimes específicos que constituem crimes contra a humanidade que visam o Grupo envolvem prisão e outras privações graves de liberdade, desaparecimento forçado, incluindo entregas extrajudiciais, tortura e crimes sexuais, bem como perseguição e outros atos desumanos.
Em suma, a escala, alcance, gravidade, intensidade e prevalência das violações dos direitos humanos contra indivíduos alegadamente afiliados ao Grupo Gülen na Turquia subiram a um nível tão escandaloso que constituem crimes contra a humanidade. As características prevalecentes e abrangentes dessas violações indicam que os crimes correspondentes foram cometidos como parte de ataques sistemáticos e generalizados dirigidos contra o Grupo Gülen. O facto de um grande número e multiplicidade de indivíduos com a menor ligação ao Grupo enfrentarem medidas judiciais e/ou executivas e suportarem as graves consequências de algumas ou de todas as violações acima enumeradas, aponta para o carácter generalizado de tal ataque. O seu carácter sistemático manifesta-se no facto de os crimes terem sido cometidos no quadro de uma política preconcebida adotada pelos mecanismos oficiais de segurança e executados de forma idêntica.
Em suma, as violações e ofensas dos direitos humanos que os indivíduos sofrem apenas por terem alegadas ligações com o Grupo Gülen devem ser consideradas como tendo chocado a consciência da comunidade internacional e elevado ao nível de preocupação internacional. A caracterização juridicamente pertinente dessas ofensas insinuaria os perpetradores de que as suas ofensas são processáveis e puníveis independentemente do tempo e do lugar e, por conseguinte, ajudariam a aliviar a cultura de impunidade em curso na Turquia.